Como o Samba, o Choro e o Forró Ganharam a Voz das Mulheres: A Influência Feminina na Música Brasileira
- Isabela Guadanini
- 19 de mar.
- 5 min de leitura

A música brasileira é marcada por sua diversidade de ritmos e pela rica herança cultural que traz. Entre seus gêneros mais emblemáticos, o samba, o choro e o forró se destacam não apenas como expressões populares, mas também como veículos de identidade, resistência e transformação. Embora esses estilos tenham surgido e se consolidado em ambientes dominados por homens, ao longo do tempo, as mulheres encontraram formas de ocupar esses espaços e moldá-los com suas vozes, experiências e talentos. Este artigo explora a jornada dessas mulheres e o impacto profundo que tiveram na música brasileira, tornando o samba, o choro e o forró ainda mais vibrantes e representativos.
A Influência Feminina no Choro: Rompendo Barreiras com Chiquinha Gonzaga
O choro, considerado o primeiro gênero urbano brasileiro, surgiu no final do século XIX no Rio de Janeiro. Inicialmente, era uma expressão instrumental praticada majoritariamente por homens em ambientes fechados e boêmios. No entanto, foi uma mulher, Chiquinha Gonzaga, quem abriu caminho para que o choro ganhasse espaço e respeito.
Chiquinha Gonzaga, compositora, pianista e maestrina, foi uma das primeiras mulheres a se destacar no choro e na música brasileira de forma geral. Em um contexto de rígidos papéis sociais e restrições impostas às mulheres, Gonzaga enfrentou preconceitos ao se tornar a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil e ao compor para o teatro. Suas composições, como o famoso “Ó Abre Alas”, revolucionaram a música popular e abriram caminho para futuras gerações de mulheres no choro e em outros gêneros.
Após Gonzaga, outras mulheres seguiram seu exemplo, embora o choro continuasse sendo um ambiente predominantemente masculino. Apenas nas últimas décadas vimos mais mulheres se destacarem como intérpretes e compositoras de choro, mas a influência de Gonzaga permanece como um símbolo de pioneirismo e determinação.
O Samba e as Mulheres: De Tia Ciata a Dona Ivone Lara
O samba, uma das manifestações culturais mais fortes e características do Brasil, também carrega em suas raízes uma história de luta e de resistência das mulheres. Surgido nas rodas de música e dança nas comunidades afro-brasileiras, especialmente na região do Rio de Janeiro, o samba é um gênero que incorpora a herança africana, os ritmos e as tradições religiosas dos descendentes de escravizados.
Entre as figuras femininas de destaque no início do samba está Tia Ciata, uma baiana que migrou para o Rio de Janeiro e se tornou uma figura central nas rodas de samba em sua casa. Tia Ciata organizava eventos onde músicos, dançarinos e compositores se reuniam para celebrar sua cultura. Ela ajudou a preservar e a promover o samba, que na época era perseguido e marginalizado, devido à sua associação com a cultura afro-brasileira. A influência de Tia Ciata foi tão significativa que sua casa é considerada um dos berços do samba carioca.
Mais adiante, no século XX, outra mulher assumiu papel de destaque no samba: Dona Ivone Lara. Conhecida como a “Grande Dama do Samba”, Dona Ivone Lara foi uma das primeiras mulheres a compor sambas-enredo, até então dominados por homens. Suas letras abordavam temas profundos e emocionantes, contando histórias de vida e de amor que tocavam o público brasileiro. Sua trajetória inspirou outras mulheres a seguir carreira no samba, tornando-o um gênero mais inclusivo e diversificado.
Forró e Baião: A Voz Feminina no Sertão Brasileiro
O forró, popularmente associado ao nordeste brasileiro, ganhou destaque nacional com o movimento iniciado por Luiz Gonzaga, que popularizou o baião e o xote, ritmos que integram o universo do forró. Tradicionalmente, o forró sempre foi um espaço majoritariamente masculino, com homens cantando e tocando sanfonas nas festas de interior, e as mulheres desempenhando papéis coadjuvantes. No entanto, essa dinâmica começou a mudar com o passar dos anos, à medida que mulheres começaram a conquistar espaço como cantoras e instrumentistas no forró.
Entre os nomes que se destacaram nas últimas décadas, Marinês é um dos exemplos mais importantes. Conhecida como “A Rainha do Xaxado”, Marinês levou o forró para um público nacional e abriu caminho para que outras mulheres pudessem se expressar dentro do gênero. Marinês não só conquistou respeito e reconhecimento em uma área predominantemente masculina, como também inspirou várias cantoras a seguirem carreira no forró.
Na contemporaneidade, artistas como Elba Ramalho, Lucy Alves e Mariana Aydar continuam a trazer novas perspectivas para o forró. Essas cantoras não apenas interpretam, mas também renovam e expandem o gênero, explorando temas atuais e incluindo elementos de outros estilos musicais em suas canções. A presença dessas mulheres no forró torna o gênero mais inclusivo e representa uma ampliação das narrativas femininas no contexto da música nordestina.
Mulheres na Música Brasileira: A Transformação dos Gêneros e a Renovação da Identidade Nacional
A presença feminina no samba, choro e forró transformou esses gêneros em manifestações ainda mais representativas e inclusivas da identidade nacional. Essas mulheres não só trouxeram novas vozes e temas para as músicas, mas também desafiaram os papéis tradicionais e ampliaram o espaço para outras mulheres na música brasileira.
Hoje, vemos um número crescente de mulheres se destacando em todas as etapas da produção musical, desde a composição até a performance e a produção. O samba ganhou novas representantes como Teresa Cristina e Mart'nália, que exploram temas variados e promovem a cultura afro-brasileira de forma autêntica. No choro, vemos instrumentistas talentosas ganhando espaço, como a clarinetista Anat Cohen, que, embora internacional, mantém uma conexão profunda com o gênero e inspira muitas brasileiras.
No forró, artistas contemporâneas continuam a expandir o legado de Marinês e Elba Ramalho, incluindo jovens sanfoneiras e vocalistas que trazem para o palco uma renovação da identidade feminina dentro do gênero.
O Futuro da Influência Feminina na Música Brasileira
A influência feminina na música brasileira está longe de ser estática. Com o surgimento de novos talentos e o fortalecimento dos espaços para mulheres na música, o samba, o choro e o forró continuam a evoluir e se reinventar. As mulheres não apenas ocupam esses gêneros musicais, mas também os transformam, trazendo novas perspectivas e explorando temas que antes eram sub-representados. Cada vez mais, vemos mulheres que compõem, tocam instrumentos e se tornam protagonistas de suas carreiras, incentivando uma nova geração a se expressar na música brasileira.
Iniciativas como o Soul Elas desempenham um papel fundamental ao oferecer espaços de produção e aprendizado para mulheres, ampliando as possibilidades de expressão e contribuindo para uma música brasileira mais inclusiva e diversa. Ao valorizar o trabalho de compositoras, instrumentistas e cantoras, o futuro da música brasileira se torna um reflexo mais fiel e vibrante da sua própria pluralidade.
As vozes femininas, portanto, seguirão contribuindo para a evolução do samba, do choro e do forró, não apenas como intérpretes, mas como criadoras e transformadoras de suas próprias histórias e do próprio tecido cultural do Brasil.
Comments